domingo, 16 de novembro de 2014

A MINHA AVÓ BÁRBARA FARIA 116 ANOS

Avó Bárbara com 60 anos e a Cristina com 1 ano

No dia 12 de Novembro a minha avó Bárbara se fosse viva teria feito 116 anos ( nasceu no dia 12 de Novembro de 1898).
Neste dia 12 de Novembro lembro-me sempre da minha avó e de como ela gostava de festejar os anos, na companhia dos filhos, filhas, noras e genros e  netos. às vezes convidava a irmã Domingas e o marido  que viviam em Estremoz, e o irmão Zé da Rita para almoçarem connosco.  
Sempre foi uma pessoa que gostou muito de contar episódios ligados à sua infância, juventude e de mulher adulta. Tinha sempre assunto e quando estava connosco gostava de falar, mas nunca foi maçadora nem aborrecida.  
Nós adorávamos ouvi-la contar episódios passados com as pessoas de família. Mal ouvia um assunto, ela lembrava-se sempre de um episódio antigo relacionado com aquele assunto. Era uma pessoa  muito interessante intelectualmente, tinha a 4ª classe com o exame feito com distinção, lia e escrevia muito bem. 
Contava muitas vezes o episódio que se passou com um dos primos, penso que se chamava João Falcato, que gostava muito de ir comer a casa da minha bisavó Leonarda Rita, mãe da minha avó Bárbara. Contava a minha avó que ele aparecia sempre à hora das refeições. Eram seis pessoas à mesa, o meu bisavô João de Andrade Falcato, a minha bisavó Leonarda Rita Carreço, e os quatro filhos, a minha avó Bárbara, a minha tia Domingas, o meu tio Zé da Rita e o meu tio Júlio, então ele chegava e perguntavam-lhe se ele queria comer, e ele não se fazia rogado, aceitava logo, sentando-se à mesa  e preparando-se para comer.
A mãe dele, tia da minha avó Bárbara, disse-lhe: "- Oh João, tu não podes aceitar logo à primeira vez que te oferecem de almoçar!, tens que esperar que insistam pelo menos umas três vezes, e então depois é que aceitas!" 
O bom do João chegou a casa da minha bisavó, estavam todos sentados à mesa prontos para comer. A minha bisavó perguntou-lhe: " - Oh João não queres comer com a gente?"
Ele ficou sentado e contou: "- Uma!!"
E a minha bisavó voltou a insistir: "- Mas porque é que hoje não queres comer com a gente?"
E ele contou: "- Duas!"
E a minha bisavó voltou a insistir: "- Não gostas do que vamos comer? não queres mesmo comer?"
E ele contou: "-Três!!"
...E deu um grande salto e foi logo sentar-se à mesa prontinho a fazer a refeição com os primos e os tios. 
Um outro episódio passado também com este primo João foi o seguinte: Como ele continuasse a ir comer muitas vezes em casa da minha bisavó, a mãe dele um dia zangou-se e disse-lhe que não queria que ele lá comesse tantas vezes. 
Um dia, estava já ele sentado à mesa com os primos e os tios, chegou a mãe dele. Ele sabia que ela se ia zangar com ele, por ele lá estar a comer, então começou a gritar: "-Tirem-me a batata da boca!! tirem-me a batata da boca!" 
Estes dois episódios do tempo de juventude da minha avó, são lembrados e contados entre nós com muita frequência, e nunca deixamos de nos rir quando alguém está a comer uma batata cozida e nós dizemos: "- Tirem-me a batata da boca! tirem-me a batata da boca!".
Outro episódio que a minha avó recordava muitas vezes, quando no verão se via um pôr-do-sol muito lindo, com uma cor de laranja no horizonte, era o da Aurora Boreal que surgiu no céu na noite de 25 de Janeiro de 1938, e que ela nos descrevia como apesar da beleza que vinha do céu as pessoas ficaram e entraram em pânico não sabendo o que estava a acontecer. Uns pensavam que vinha aí a guerra, outros diziam que era o fim do mundo, foi uma noite infernal. Encontrei na Net esta descrição fantástica desse fenómenos de 1938, e não resisto a colocá- lo aqui
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PORTUGAL, AURORA BOREAL DE 1938
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PORTUGAL, AURORA BOREAL DE 1938
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PORTUGAL, AURORA BOREAL DE 25 DE JANEIRO DE 1938

Estávamos em pleno Inverno.Dia vinte e cinco de Janeiro de 1938.Tempo de frio ,chuvas intensas e ventos fortes . Por vezes a neve resolvia presentear-nos com a sua visita. Os campos e os caminhos apareciam todas as manhãs cobertos de geada transparente como cristal,o que dificultava o acesso a esses lugares.Era necessário redobrar os cuidados nas caminhadas que não podiam deixar de ser feitas. Os agricultores tinham de deixar que a geada derretesse para poderem colher nos campos os produtos agrícolas para sua subsistência e dos seus animais domésticos.
Este dia estava particularmente frio.Na minha aldeia quase ninguém ousava sair à rua.Nas lareiras crepitava a fogueira e todos procuravam aninhar-se à sua volta para resistirem aos rigores das temperaturas excessivamente baixas.
Na minha casa ,além da fogueira habitual, tinha-se acendido o forno para cozer a broa que a minha mãe amassou como fazia sempre.É que ela não confiava a ninguém esta tarefa!
Se ,de dia, poucas pessoas saíam de casa ,quando a noite caía ninguém mais deitava o nariz fora da porta ,excepto em situações especiais:buscar mais lenha para manter a lareira acesa,tratar algum animal que estivesse a necessitar de cuidados especiais ou então ir ao armazém, onde se guardavam os produtos agrícolas ,abastecer-se de algum que eventualmente tivesse acabado.
No silêncio da noite,qualquer som, por mais insignificante, toma uma dimensão enorme.Foi o que aconteceu nessa noite:ruídos estranhos ,semelhantes à queima de lenha seca,começaram a ser ouvidos por todos nós que estávamos à volta da lareira.O Manuel,nosso feitor, a quem, carinhosamente,chamávamos "Pionas,"ao ouvir estes barulhos , assomou ao postigo da porta para se inteirar do que se passava.Mal deitou a cabeça fora da pequena janela, apercebeu-se que o céu estava vermelho da cor do fogo, parecendo em chamas, donde se desprendiam raios luminosos. Gritou para todos nós:venham ver ,é o fim do Mundo.De imediato gritos aflitivos se fizeram ouvir em toda a aldeia,ao mesmo tempo que se dirigiam para a Igreja onde o Sr Padre António se encontrava, tentando acalmar os seus paroquianos. Todos nós lá de casa fizemos o mesmo,largando tudo.Só o Manuel Pionas ficou mais algum tempo para enfornar o pão que estava na masseira ,tapar o forno e fechar todas as portas e janelas de casa.Só depois disso ,foi ter connosco à Igreja.

As pessoas vinham munidas de lampiões que à pressa tinham conseguido pegar.Mas não foi necessário acendê-los,porque do céu emanavam clarões de luz dum brilho sanguinolento.
As pessoas corriam desesperadamente ,atropelando-se,escorregando aqui e ali sem pensar nas consequências funestas que poderiam advir dessa correria desenfreada. Uma senhora, já de certa idade, que corria e gritava ao meu lado, levando pela mão uma netinha mais ou menos da minha idade, escorregou na calçada ,caíu desamparadamente e partiu um pé.Mesmo assim cheia de dores só parou na Igreja junto da multidão enorme que ali se aglomerava.
Os gritos aflitivos daquela boa gente enchiam a Igreja e faziam-se ouvir por toda a freguesia:É o fim do Mundo; é a guerra ,acudam...
O bom do Sr. Padre António tentava acalmar os seus paroquianos ,explicando que o fenómeno que se estava observando, não era mais do que uma Aurora Boreal ,fenómeno que era visto muitas vezes nas regiões do norte do Globo. Ao mesmo tempo ia rezando com eles.
Esta situação aflitiva durou algumas horas até que a luz do dia ofuscou a luz que tinha incendiado o céu durante a noite longa.
Depois do dia amanhecer e com as sábias palavras do Sr. Padre, o bom povo da minha aldeia,acalmou e voltou em paz para suas casas.No entanto aquela visão dantesca perdurou por muito tempo, talvez por toda a vida, na memória daquela boa gente, assim como perdurou na minha até hoje.E já se passaram setenta anos!...Eu tinha nessa altura quatro anos e nove meses. E essa imagem foi tão forte que consigo descrever tudo o que presenciei e reproduzir textualmente o que ouvi.
No dia seguinte àquele acontecimento,o jornal diário que meu Pai assinava, trazia noticiado o fenómeno observado em todo o céu de Portugal e de outros países.Claro que eu não li a notícia,mas ouvi meu pai lê -la e comentá-la ,tentando explicar, da melhor maneira que sabia, as causas daquele "Belo Horrível".
Achei por bem deixar aqui a descrição deste acontecimento que tanto me impressionou e ,porque não dizer,que tanto me maravilhou!...


27 de Dezembro de 2007


Adélia Barros
http://adeliabarros.blogspot.pt/2007/12/eu-vi-aurora-boreal.html
Ao ler este testemunho desta senhora Adelaide Barros, percebo como deve ter sido marcante para as pessoas a viverem numa aldeia isolada do Alentejo este fenómeno natural. 







ENCONTROS FLORBELIANOS

POESIA NO FEMININO- UMA VOZ DE REBELDIA?

 POESIA NO FEMININO - UMA VOZ DE REBELDIA?


                                    
FLORBELA ESPANCA



            ENCONTROS FLORBELIANOS

VILA VIÇOSA  6 DE JUNHO DE 2014             ZUZU BALEIRO


No dia 6 de Junho, pelas 21 horas reuniu-se um  razoável número de pessoas, numa sala do Solar dos Mascarenhas, em Vila Viçosa para dizerem poesia e ouvirem a minha palestra:



Escolhi três mulheres poetisas portuguesas para vos apresentar: Florbela Espanca que nasceu emVila Viçosa no ano de 1894, Sophia de Mello Breyner Andresen que nasceu no Porto em 1919 e  Natália Correia que nasceu em  Fajã de Baixo, São Miguel, Açores em  1923  .
Foram três mulheres excepcionais, que na sociedade, na política e na literatura, nunca deixaram de lutar pelos seus ideais, de defender as suas ideias, ultrapassando com perseverança os mais variados obstáculos. Conseguiram romper com o conceito de normalidade, desprendendo-se das amarras que tentavam silenciar a sua voz e calar a sua liberdade. Estas mulheres nunca se deixaram influenciar pela crítica ou pelo preconceito da época em que viveram.
Orgulharam-se sempre da sua condição de mulher e preocuparam-se com a situação das outras mulheres. Com uma grande coragem e determinação lutaram e impuseram as suas ideias, a sua vontade, a sua obra. Em  Mulheres Rebeldes de 2004 no capítulo Escritoras , segundo sexo da literatura,  refere-se que em França, até meados do século XIX, a mulher de letras encarnava uma figura social repelente. Denominadas “ bas bleus” ( meias azuis) as autoras eram tidas como escandalosas, debochadas, não fecundas, fermentos de anarquia. Eram marginalizadas no mundo das letras e criticadas pela sociedade. Quando alguma mulher era aceite no meio literário, tornava-se logo “um homem das letras” como aconteceu com George Sand.
Não tem sido fácil à mulher impor-se no meio literário. Mais frequentemente sujeitas à invisibilidade, as escritoras continuam a lutar pela neutralidade do género sexual , para não serem assimiladas à categoria redutora “ literatura feminina”. Natália Correia não queria ser chamada depoetisa, ela queria apenas ser poeta, que é uma denominação que dá para os dois géneros.

Quero lembrar , o esforço que ainda, nos dias de hoje, a mulher do século XXI, precisa de fazer entre a casa, os filhos, os empregos, a sua vida na sociedade, os seus interesses políticos, para se manter activa e poder continuar a lutar pelos seus ideais, para ultrapassar barreiras e  quebrar falsos preconceitos.
Mulheres que lutaram pelos seus ideais, pelo progresso, pela mudança, pela ruptura construtiva, enriquecedora da nossa vida colectiva. Estas mulheres partiram alguns telhados de vidro, mas, nunca conseguiram quebrá-los verdadeiramente e alargá-los  à maioria das mulheres.
Queria falar-vos do livro “Um quarto que seja seu” de Virginia Woolf .
Virginia Woolf (nasceu em 1882- e suicidou-se em 1941) nasceu no seio duma família inglesa da pequena aristocracia vitoriana. Ainda criança, Virginia Woolf manifestou a vontade de ser escritora. Apesar dos condicionalismos da época relativamente à educação e à vida intelectual das mulheres, ela tinha acesso à biblioteca do seu pai sem quaisquer restrições. De inteligência brilhante, sabia-se uma privilegiada. Tinha consciência de que à maioria das mulheres do seu tempo estava impedido o desenvolvimento intelectual e o acesso à cultura. As veementes intervenções que teve contra esse estado de coisas granjearam-lhe reacções adversas.
 No livro Um quarto que seja seu, constituído por duas preleções feitas nas universidades femininas de Cambridge, Virgínia aborda o problema da restrições à educação e à intelectualidade das mulheres da sua época e da falta de condições quer financeiras quer de autonomia para poderem expressar essa capacidade. “ ... para uma mulher ser escritora  tem de dispor de dinheiro e de um cantinho seu, para poder escrever ficção...” refere V. Woolf na pag. 16. Desenvolveu a sua argumentação com fineza de raciocínio e de espírito. O conhecimento da vida, da literatura e da História estão bem patentes nas páginas deste livro.

Estas três mulheres de quem vou falar nasceram em famílias da classe média e classe média alta que lhes proporcionaram uma educação e uma instrução que naquela altura não era frequente na maioria das mulheres.
As origens burguesas e uma certa folga económica permitiam a disponibilidade para os trabalhos intelectuais e para as tertúlias literárias, preferencialmente femininas. No início do século XX vemos poetisas, jornalistas, advogadas empenhadas, não tanto na plena igualdade de direitos entre os sexos, mas no atenuar das diferenças e das injustiças flagrantes. De algum modo, a partir de 1910, com a instauração do regime republicano, são promulgadas leis em Portugal que beneficiam a mulher inserida na família.
Não é meu objectivo analisar detalhadamente a obra de cada uma destas escritoras. Quero dar-vos os principais traços da vida e da obra de cada uma delas, como pessoa e consequentemente como poetisa.

Florbela Espanca  é filha de Antónia da Conceição Lobo (trabalhadora rural)  e do republicano João Maria Espanca. O seu pai aprendeu a profissão de sapateiro, mas passou a trabalhar como antiquário, negociante de cabedais, desenhista, pintor, fotógrafo e cinematografista. Foi um dos introdutores do "Vitascópio de Edison" em Portugal.
João Maria Espanca era casado com Mariana do Carmo Toscano. Embora a sua esposa fosse estéril, João Maria teve filhos de um caso extraconjugal; e assim nasceram Florbela e, três anos depois, Apeles, ambos filhos de Antónia da Conceição Lobo, e registados como filhos ilegítimos de pai incógnito. João Maria Espanca criou-os na sua casa, e, apesar de Mariana ter passado a ser madrinha de baptismo dos dois, João Maria só reconheceu oficialmente Florbela como sua filha dezoito anos após a morte desta.
Florbela frequentou a escola Primária em Vila Viçosa. As suas primeiras composições poéticas são dessa época.
Florbela ingressou então no Liceu Masculino André de Gouveia em Évora, onde permaneceu até 1912, (18 anos). Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar o curso secundário. Durante os seus estudos no Liceu, Florbela requisitou diversos livros na Biblioteca Pública de Évora, aproveitando então para ler obras de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Garrett. A poetisa regressou de novo  ao liceu de Évora, em 1917, onde completou o 11º ano do Curso Complementar de Letras e com 23 anos matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi uma das catorze mulheres entre trezentos e quarenta e sete alunos inscritos. Em meados do 1920 interrompeu os estudos na Faculdade de Direito
Florbela casou 3 vezes. Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega no Liceu de Évora. O casal morou primeiro no Redondo. Em 1915 instalou-se na casa dos Espanca em Évora, por causa das dificuldades financeiras.
Com 24 anos, a escritora sofreu as consequências de um aborto involuntário, que lhe teria infetado os ovários e os pulmões. Repousou em Quelfes (Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.
Em 1920, sendo ainda casada, a escritora passou a viver com António José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana.
Em 1925, divorciou-se pela segunda vez. Esta situação abalou-a muito. Ainda em 1925, a poetisa casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a partir de 1926.
Em 1919 saiu a sua primeira obra, Livro de Mágoas, um livro de sonetos. A tiragem (duzentos exemplares3 ) esgotou-se rapidamente.
 Em Janeiro de 1923 veio a lume a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade, edição paga pelo pai da poetisa. Para sobreviver, Florbela começou a dar aulas particulares de português.
Em 1927,  Apeles Espanca, o irmão da escritora, faleceu num trágico acidente de avião. A sua morte foi devastadora para Florbela. Em homenagem ao irmão, Florbela escreveu o conjunto de contos de As Máscaras do Destino, volume publicado postumamente em 1931. Entretanto, a sua doença mental agravou-se bastante. Em 1928 ela teria tentado o suicídio pela primeira vez.
Florbela tentou o suicídio por duas vezes mais em Outubro e Novembro de 1930, na véspera da publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu definitivamente a vontade de viver. Não resistiu à terceira tentativa do suicídio. Faleceu em Matosinhos, no dia do seu 36º aniversário, a 8 de Dezembro de 1930. A causa da morte foi uma sobredose de barbitúricos.
A sua vida, de apenas trinta e seis anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização e feminilidade 
Na opinião de António José Saraiva e Oscar Lopes, na História da Literatura Portuguesa, Florbela Espanca é uma das mais notáveis personalidades literárias. “Referem: em primeiro lugar, porque a poética e a prosa de Florbela dificilmente se enquadram numa única corrente literária, seja uma corrente dominante no seu tempo ou anterior. »
De facto, a poetisa soube construir uma linguagem muito própria, quase uma mitologia lírica ao revelar, no espaço da poesia, sentimentos e desejos próprios, anseios e aspirações muito suas, conquistando na literatura um espaço de libertação de instintos sensuais, sem precedentes até então; sobretudo, revelou, através da linguagem poética o seu ser e a sua intimidade.
Em Florbela são evidentes os traços e as influências de diversas correntes literárias que atravessaram o século XIX, apesar de acusar igualmente proximidades a estéticas do século XX. Diga-se, a propósito, que grande parte da singularidade da obra de Florbela reside no facto de a sua estética literária se enraizar no cruzamento de várias tendências do lirismo do século passado: Florbela admirava Antero de Quental, Júlio Dantas, Guerra Junqueiro, Antero de Figueiredo, José Duro e, sobretudo, António Nobre. Foi nesse universo artístico, onde tentou conciliar a renovação com a tradição poética, que Florbela encontrou elementos para definir a sua linguagem.
A poesia de Florbela evidencia semelhanças estilísticas, estruturais e ideológicas em relação à linguagem de Antero de Quental. Uma delas é a referência frequente ao tema da dor, uma dor existencial, que leva à constante ânsia pela morte e pelo não-ser; trata-se de uma dor existencial próxima daquela que Antero e Camilo Pessanha repetidamente abordaram na sua obra. Por outro lado, o uso da forma clássica do soneto é outro factor de aproximação entre Florbela e Antero, se bem que a aproxime igualmente de outros sonetistas, nomeadamente Camões e Bocage. Herdada de Antero é, também, a expressão de uma visão eminentemente pessimista do mundo, bem como de uma relação difícil com a vida.
São muitos os pontos de contacto entre António Nobre, o autor de «Só» (apresentado, ainda hoje, como o livro mais triste que há em Portugal) e Florbela Espanca, que confessa ter pelo escritor intensa admiração, referindo-se, implicitamente, a «Só» na abertura do «Livro de Mágoas» e, depois, explicitamente, na languidez do soneto «Tardes da Minha Terra». Aliás, Nobre era para a jovem escritora o único poeta. Por outro lado, também o pessimismo e a espera da morte, bem como a ideia da predestinação, recorrente em Florbela, aproximam as suas obras, em paralelo com a temática da saudade.
O Ultra-romantismo é uma corrente literária da segunda metade do séc. XIX, e que se caracterizou por levar ao exagero, e por vezes até ao ridículo, as normas e ideais preconizadas pelo Romantismo, nomeadamente, a exaltação da subjectividade, do individualismo, do idealismo amoroso, da Natureza e do mundo medieval. Temos uma literatura ultra-romântica de qualidade inquestionável em autores como João de Deus, Camilo Castelo Branco, Soares de Passos e Castilho.

O parnasianismo é um movimento literário desenvolvido na poesia portuguesa do século XVIII, que se aproxima das tendências realista e naturalista registadas na narrativa. Entre as principais características deste tipo de poesia, temos a perfeição dos versos, assim como o tom descritivo, a referência a obras de arte e paisagens. Em Florbela, o parnasianismo evidencia-se, sobretudo, em sonetos como «Toledo» e «Charneca em Flor».
Encontramos frequentemente nos versos de Florbela, influências simbolistas e decadentistas,que manifestam  uma necessidade, quase desesperada, de viver o instante, o momento, o tempo efémero que passa, sobretudo quando se trata de um tempo feliz, como no soneto «Hora que Passa», de onde se depreende a referência à fugacidade do tempo e da vida. Esta temática, abordada quase obsessivamente por Florbela, aproxima-a da corrente simbolista e, sobretudo, da poesia de Camilo Pessanha. Em segundo lugar, também a referência constante a estados de espírito marcados pela dor e pelo tédio apontam para uma forte influência decadentista/simbolista na poética de Florbela, bem como a imagem das torres de marfim, onde se quis refugiar da mediocridade e vulgaridade da vida quotidiana. Por último, destaque para os traços da assimilação da linguagem simbolista - decadentista, bem patentes nas imagens e no mistério implícito do soneto «Outonal», e também, mas menos acentuado, em «Charneca em Flor».
Apesar de não se ter deixado influenciar pela estética modernista proposta por Fernando Pessoa e pelo grupo do «Orpheu», o ideário e a temática da obra de Florbela Espanca contém uma curiosa proximidade com a escrita de Mário de Sá-Carneiro, membro do grupo «Orpheu». Em primeiro lugar, há uma proximidade ao nível dos dramas pessoais (que Sá-Carneiro revela em «Esfinge» e «Esfinge Gorda»), onde se evidencia a moderna problemática da dispersão, do desdobramento da personalidade, que Florbela partilha nalguns poemas. Além disso, Florbela insere na sua obra a complexa temática da alteridade, bem como a da relação entre o eu poético e os outros, aproximando-se muito do universo temático de Sá-Carneiro, o que se acentua com as referências à crise de identidade do sujeito e à estratégia de fingimento do poeta (enunciada por Fernando Pessoa). Tanto um como o outro, procuravam uma identidade profunda.
Os dois autores têm em comum uma poética de excessos, de estados de espírito extremos, que oscila constantemente entre o desejo de amor e de morte (que encaram de modo semelhante), momentos de loucura e lucidez, luxo e sombras, plenitude e incompletude. Nos seus versos, ambos vagueiam por claustros, sombras e cenários decadentistas, oscilando entre a realidade e um mundo indefinido.

Como Sá-Carneiro, também Florbela quis aliar a vida e a arte, a realidade e o sonho. Há que sublinhar o resultado desastroso das suas vidas,  pois ambos morreram jovens e pelo mesmo motivo: suicídio.
 
SOPHIA DE MELLO BREYNER
 Sophia de Mello Breyner Andresen
 é filha de Maria Amélia de Mello Breyner e de João Henrique Andresen. Tem origem dinamarquesa pelo lado paterno. O seu bisavô, Jan Heinrich Andresen, desembarcou um dia no Porto e nunca mais abandonou esta região, tendo o seu filho João Henrique comprado, em 1895, a Quinta do Campo Alegre, hoje Jardim Botânico do Porto. A mãe, Maria Amélia de Mello Breyner, é filha do conde de Mafra, médico e amigo do rei D.Carlos. Maria Amélia é também neta do conde Henrique de Burnay, um dos homens mais ricos do seu tempo. Sophia foi criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores tradicionais da moral cristã.
Sophia conta numa entrevista: “ Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a «Nau Catrineta» porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás...
JCV Gostaria, era que me falasse mais da sua paixão por Camões e por Antero, de quando os começou a ler...
Ler não, que ainda não sabia. Aprendi versos de cor, sem saber ler.
JCV Então isso não foi só com a «Nau Catrineta»?
Não, entre os três e sete anos o meu avô, que dizia muito bem, ensinou-me Camões e Antero.
JCV E sabia poemas de cor nessa idade? 
Sabia, sabia. O «Sete anos de pastor Jacob servia» do Camões, «Num sonho todo feito de incerteza», do Antero, também algumas coisas do António Nobre, como «Oh Virgens que passais ao sol poente»... E achava lindo! As crianças compreendem e amam muito mais as coisas do que os adultos imaginam.
JCV Isso teve influência na sua poesia? 
Teve influência na minha poesia e teve influência na minha noção da poesia, que deriva muito de eu ter sabido poemas mesmo antes de saber que havia a literatura e história da literatura, de não ter tido (como é que hei-de explicar?) de não ter tido uma relação escolar e sábia com a poesia, mas uma relação vital.

E quando eu era ainda muito pequena, quando estava em Lisboa, logo de manhã ia para o escritório do meu avô – que eram três grandes salas seguidas, cheias de livros, de quadros, de retratos, de mapas e de mil coisas misteriosas – um lugar onde eu entrava em bicos de pés – e o meu avô punha sempre a tocar um disco de Bach – talvez por isso a música de Bach foi sempre a que melhor entendi. E na Granja, à tarde, o José Ribeiro tocava violoncelo, nuns outonos de tardes oblíquas. E quando estava no Porto ia para Matosinhos para casa do Eduardo e do Ernesto Veiga de Oliveira e ouvíamos Das Lied von der Erde do Mahler, que nesse tempo ainda não estava na moda. E em casa do António Calém a música estava sempre no centro de cada encontro.
Comecei a tentar escrever com doze anos. Depois aos catorze escrevi mais e a partir daí fui sempre escrevendo. Aí entre os 16 e os 23 escrevi mais do que em todo o resto da minha vida. Tenho imensa coisa por publicar dessa época.
 Os primeiros versos incluídos na «Poesia» escreveu-os apenas com 14 anos!?
Sim, alguns, só dois ou três. Às vezes eram poemas muito mais compridos e que eu cortava, cortava, até ficarem três ou quatro versos. Mesmo no «Dia do Mar» há um poema que era muito longo e que ficou reduzido a dois versos. Chama-se «Evohé Bakhos».

Como foi recebido o seu primeiro livro? 
Acho que foi bem recebido. Foi editado em Coimbra e quem tratou disso foi o meu amigo chamado Fernando Valle.
JCV O dr. Fernando Valle, fundador e grande figura do PS, amigo do Torga...
Não, não é esse, um meu amigo de Lamego que estudava em Coimbra. Foi uma edição de autor que o meu pai pagou. Mas acabei por receber o dinheiro outra vez, uma das coisas que mais me espantou na vida e ainda espantou mais o meu pai. Foi uma edição de 300 exemplares, eu dei para aí 100 e os outros 200 venderam-se e pagaram as despesas. O Fernando Valle reviu as provas e nisso teve a colaboração de alguns escritores que nessa altura por lá andavam...
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Em 1938 inscreve-se no curso de  Filologia Clássica na Universidade de Lisboa que nunca chegou a concluir, enquanto estudante é dirigente dos movimentos universitários católicos. “ Quando eu era nova e vim para Lisboa senti-me longíssimo da praia porque no Porto vivia mais perto do mar. Não gostava de Lisboa, tinha uma grande nostalgia do Norte. Depois isso foi passando. E hoje gosto de Lisboa (…).”
Casou-se, em 1946, com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares e foi mãe de cinco filhos. Os filhos motivaram-na a escrever contos infantis.
Já depois da Revolução de 25 de Abril, foi eleita para a Assembleia Constituinte, em 1975, pelo círculo do Porto, numa lista do Partido Socialista, enquanto o seu marido navegava rumo ao Partido Social Democrata.
Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu, aos 84 anos, no dia 2 de Julho de 2004 no Hospital da Cruz Vermelha. O seu corpo encontra-se no Cemitério de Carnide.
A poesia de Sophia está profundamente marcada pela sua infância e juventude, por valores como a  justiça e, pelo contacto com a Natureza, muito especialmente com o Mar.  Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia,  sendo por isso  considerada como uma das maiores e mais eloquentes vozes da poesia portuguesa  contemporânea.
Sophia apresenta-nos uma poesia de grande fidelidade à realidade do mundo. A sua poesia busca a ordem e o equilíbrio do universo. Poesia das origens, busca a ordem do mundo, a modelação do caos para a criação do cosmos, ou seja, da ordem e do equilíbrio do Universo.
A sua poesia estabelece uma relação com as coisas e com o mundo. A palavra assume-se como um agente de transfiguração da realidade que revela o divino e o terreno. Sophia criou uma literatura de empenhamento social e político, de compromisso com o seu tempo e de denúncia das injustiças e da opressão. Sophia na sua poesia conserva e reforça continuamente uma relação privilegiada com o mar, com o vento, com o sol e a luz, com Terra e toda a vegetação. Abre os seus sentidos, na captação das sensações da natureza. A natureza é um espaço primordial, onde o Eu se reencontra com a sua nudez e beleza plena, fugindo da cidade. Segundo Sophia, as cidades são espaços dessacralizados, negativos, de conflitos e desencontros. A poetisa procura, acima de tudo, a transparência, o universo organizado, dai a reconstrução da aliança entre os homens, a natureza e as coisas é uma constante, na sua obra. O acto poético é um acto mágico capaz de projectar, por palavras mágicas a realidade e a relação intima com as coisas , com o Universo.
Sophia busca a perfeição e a harmonia de um ser humano que saiba erguer-se a partir das suas limitações e imperfeições. Não celebra os deuses para que os homens sejam como eles, mas celebra os Deuses para tornar os homens mais divinos, mais capazes de avançar para a margem do Bem e da Verdade. O mundo antigo, a que Sophia recorre, simboliza não só as origens, mas também a perfeição e a unidade ou o tempo absoluto que procura.  Está constantemente presente na sua poesia o jogo dos quatro elementos primordiais (água, terra, ar, fogo) . A natureza (“espantoso esplendor do Mundo”) é uma das suas principais fontes de inspiração, conotada de diversos significados; ora ligada à ideia de beleza estética e poética, pela sua perfeição e variedade de cores e formas, ora associada ao mistério, ora traduzindo o reencontro individual com a solidão ou ainda o lugar de união com aquilo que há de mais verdadeiro e puro.
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NATÁLIA CORREIA
Natália Correia tinha apenas onze anos ( 1934 ) quando o pai  emigrou  para o Brasil.
Natália Correia com a mãe e a irmã vieram viver para Lisboa, cidade onde fez os estudos liceais, no Liceu D. Filipa de Lencastre.
Iniciou-se na literatura com a publicação de uma obra destinada ao público infanto-juvenil mas rapidamente se afirmou como poetisa.
Natália Correia casou quatro vezes. Após dois primeiros curtos casamentos, casou em Lisboa em 1953 com Alfredo Luís Machado (1904-1989), a sua grande paixão, era 33 anos mais velho quando casou com Nátalia Correia ( com 20 anos) já era viúvo. Este  casamento durou até à morte deste em  1989. São notáveis as cartas de amor da jovem Natália para Alfredo Luís Machado.
 Em 1990, tinha Natália 67 anos de idade, celebrou um casamento de conveniência com o seu colaborador e amigo Dórdio Guimarães.

Natália Correia – ficou notabilizada através de diversas vertentes da escrita, já que foi poetisa, dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e editora ; tornou-se conhecida na imprensa escrita e, sobretudo, na televisão, com o programa Mátria, onde advogou uma forma especial de feminismo  - matricismo, identificador da mulher como arquétipo da liberdade erótica e passional e fonte matricial da humanidade;
Contudo, foi na poesia que encontrou a expressão mais depurada do seu temperamento a um só tempo lírico e irónico, características acentuadas a partir de  livro Dimensão Encontrada (1957) e nas suas obras dramáticas. Dentro dessa linha, que a tendência surrealista da poesia portuguesa pós-1950 vem sublinhar, compôs grande parte da sua obra poética, revelando um discurso lírico insólito e singular a oscilar entre a linguagem alegórica e a voz interventora. Estão neste caso, por exemplo, Passaporte (1958), o longo poema Cântico do País Emerso (1961) e mais tarde Mátria e Maçãs de Orestes (1970).  No seu livro Poemas a Rebate, publicado em 1975, chama, na introdução, ao conjunto “poemas indóceis” de “pentagrama de indignação”. Indignação constante é o que não falta à obra de Natália Correia seja motivada pela censura que a amordaçou por longo tempo, seja por uma insurreição natural a todos os engodos ideológicos da organização social. A capacidade de abranger, contudo, várias expressões líricas, bem como sentimentos e visões aparentemente opostos, entre a subjectividade romântica e a objectividade realista, levaram-na à composição, nos dois últimos anos, de Sonetos Românticos (1991, Grande prémio da Poesia APE/CTT). Aqui a poesia  parece voltar à primeira fase da sua expressão em virtude da abstracção do objecto lírico, não obstante, agora, mais intelectualizada, num certo misticismo da criação poética, da escrita, da expressão verbal.
Dotada de invulgar talento oratório e grande coragem combativa, tomou parte activa nos movimentos de oposição ao Estado Novo, tendo participado no MUD (Movimento de Unidade Democrática, 1945), no apoio às candidaturas para a Presidência da República do general Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, 1969). Foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica,considerada ofensiva dos costumes, (1966) e processada pela responsabilidade editorial das Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel BarrenoMaria Velho da CostaMaria Teresa Horta. Foi responsável pela coordenação da Editora Arcádia, uma das grandes editoras portuguesas do tempo.
A sua intervenção política pública levou-a ao parlamento, para onde foi eleita em 1980, nas listas do PPD (Partido Popular Democrático), passando a deputada independente, na assembleia da República. Foi autora de polémicas intervenções parlamentares.
Fundou em 1971, com Isabel Meireles, Júlia Marenha e Helena Roseta, o bar Botequim, onde durante as décadas de 1970 e 1980 se reuniu grande parte da intelectualidade portuguesa. Foi amiga de António Sérgio, de David Mourão-Ferreira ("a irmã que nunca tive"), de José-Augusto França  que a considerou "a mais linda mulher de Lisboa") , de Luiz Pacheco, de  Mário Cesariny  que dizia que ela "era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel Ângelo"), de Ary dos Santos ("beleza sem costura") , deAmália Rodrigues, de Fernando Dacosta, entre muitos outros. Foi uma entusiasmada e grande impulsionadora pelo aparecimento do espectáculo do café-concerto em Portugal, na figura do polémico travesti Guida Scarllaty, o actor Carlos Ferreira, na época um jovem arquitecto de quem era grande amiga. Na sua casa, foi anfitriã de escritores famosos como Henry MillerGraham Greene ou Ionesco.
Ainda hoje, em 2014, todos sabemos que as mulheres nascidas em meio familiar mais favorecido são as que conseguem  ter sucesso na escrita, ver a sua obra editada e reconhecida do grande público.
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 Foi um serão muito agradável, com pessoas muito atentas e com intervenções muito pertinentes. No final da minha apresentação leram-se os poemas de cada uma das poetisas, que se seguem: 

 Fiz um conto para me embalar

Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.

Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.

Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

                   Natália Correia

 Auto-retrato
 
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
 
                      Natália Correia
 
 
Nuvens correndo num rio
 
Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!
 
Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.
 
Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?
 
Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?
 
Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.
 
                      Natália Correia
 

  
Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

                   Sophia de Mello Breyner Andresen
 
 
Um dia
 
Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
 
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.
 
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
 
                           Sophia de Mello Breyner

 
 
AUSÊNCIA
 
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
 
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
 
                          Sophia de Mello Breyner Andresen

  

Árvores do Alentejo
 
Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a benção duma fonte!
 
E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
 
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
 
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
--- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Florbela Espanca
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
 
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
 
Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
 
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Florbela Espanca
 
 
 
Saudades
 
Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
 
Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!
 
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!
 
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca