ISABEL
Não sabia o que sentia.
Um aperto no
peito, do lado do coração fazia-a respirar bem fundo, mas o oxigénio não
chegava lá.
Apetecia-lhe dar um grito, um aiiiiii, dar um grande aiiiii…!
E dizia para si: mas
porque estou eu assim? Porque me apetece respirar tão fundo, dar um ai, que não
seria um ai, seria um grito, um grito de leoa ferida?
Mas não o poderia fazer… a vizinha do quintal
do lado ia assustar-se e ia querer saber a razão daquele grito. Daquele grito
que vinha bem cá de dentro… bem junto do coração…. Claro que saíra das cordas
vocais… mas ele tinha-se formado muito, muito mais lá no fundo… Do lado
esquerdo do coração que sentia tão apertado… junto ao buraco … aquele buraco
que se formara no dia em que a filha tinha partido, de um modo tão inesperado,
tinha partido para sempre, para o mundo sideral, para a estrela que a esperava
desde que nascera.
Isabel nunca mais foi a mesma, e
sentia que em vez de se ter tornado mais meiga, mais tolerante, menos agressiva,
sobretudo nas palavras, cada vez se tornava mais agreste, mais revoltada, mais
zangada com a vida.
Diziam-lhe: Não há vida sem romance…
e a maioria do romance é sempre bem negro.
Ela ouvia, mas não aceitava. Ouvia
quem a queria ajudar mas não conseguia que as palavras das amigas lhe ficassem
no cérebro… lhe mudassem a maneira de pensar ou de agir.
Tinha momentos em que lhe apetecia partir
tudo o que estava à sua volta, partir com um grande estrondo a grande tigela de
vidro, que sabia iria partir-se em mil pedacinhos, em mil pedacinhos que se espalhariam
pela cozinha, por baixo dos armários, por baixo dos pés, e que depois ainda ia
ter que apanhar, varrer todos aqueles vidros minúsculos que se esconderiam nos
locais mais incríveis! Não lhe apetecia varrer , queria descanso… queria estar
parada e calma, não lhe apetecia andar na cozinha a apanhar vidros despedaçados,
minúsculos, invisíveis, bicudos… prontos a espetarem-se-lhe nas solas das
pantufas e que se iriam alojar nos dedos dos pés, e de tão pequenos nem os
conseguiria ver… só sentiria a dor aguda que lhe provocavam…
Tinha alturas em que lhe apetecia ser
um pássaro e voar, voar e não mais voltar. Voar para um mundo onde não fosse
obrigada a sorrir, a conviver, a olhar os rostos alegres, tristes , amargurados
ou enrugados dos habitantes da vila. Não lhe apetecia ver ninguém… mas isso era
anti-social… tinha que dizer bom-dia, olá, cumprimentar e sorrir a todos por
quem passava.
Interessava-se pela mulher
doente do homem da mercearia, por saber como o neto da senhora da retrosaria estava
a crescer, quantos dentinhos já tinha, se já gatinhava… e todos, por quem
passava, pensavam que ela estava bem,
que apesar do rosto carregado com que se olhava ao espelho e via os olhos
tristes e cansados, tinha conseguido ultrapassar a dor da perda da filha… e ela
tentava enganá-los... sorrindo, falando, ouvindo os seus problemas e os seus
lamentos… mas o que Isabel queria era não estar ali, queria estar fora daquele
pequeno mundo…
Quando ia para perto do mar, olhava
aquela vastidão de água, olhava e pensava como seria fácil entrar por ali adentro, devagar, muito devagar, e começar a perder o pé, e a sentir que a água
iria entrar-lhe nos ouvidos, depois caminharia mais um pouco e ficaria submersa
naquela água salgada… e deixar-se-ia ir… e não se debateria porque o que ela
queria era ir… ir… ir... para lá do horizonte… mesmo que para isso tivesse que
engolir muita água, muita água salgada, amarga, amarga como era a sua vida…
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